No Brasil, marca tridimensional, conforme conceito do próprio INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial em seu Manual de Marcas, se trata do “sinal constituído pela forma plástica distintiva em si, capaz de individualizar os produtos ou serviços a que se aplica.”
Em outras palavras, marcas tridimensionais são aquelas que se fazem reconhecidas pela própria forma de um produto ou embalagem que o envolve. Exemplos clássicos fornecidos pelo próprio INPI são o chocolate TOBLERONE, o YAKULT e a original garrafa da COCA-COLA.
Nota-se que o conceito específico vai ao encontro da própria definição de marca trazida pelo artigo 122 da Lei da Propriedade Industrial No 9279/96.
Muito se discute, mesmo Brasil, se um possível efeito técnico presente na forma do produto ou de sua embalagem invalidaria a proteção dessa forma como marca tridimensional.
O próprio INPI no referido Manual afirma que “para ser registrável, a forma tridimensional distintiva de produto ou serviço deverá estar dissociada de efeito técnico.”
Data maxima venia, não concordamos com essa posição. Segundo pensamos, eventual efeito técnico existente na forma de um produto não retira possível caráter distintivo desse conjunto visual.
Como exposto acima, marcas tridimensionais são aquelas reconhecidas pelo público pela própria forma do produto. Ou seja, são sinais de identificação imediata pelo consumidor somente pelo formato do produto, sem que haja necessidade de algum outro elemento ou sinal distintivo em seu bojo, como marcas nominativas (apenas palavras), figurativas (desenhos ou figuras) ou mistas (palavras + figuras).
Ora, se a forma de um produto cumpre essa função (distintiva), não há razão, em nosso entendimento, para se vedar ou proibir seu registro como marca tridimensional.
Recentemente, uma de nossas clientes requereu em alguns países o registro como marca tridimensional da forma de seu produto.
Tal formato, é mister destacar, é absolutamente inovador e foge complemente a forma, formato ou talhe comum desse produto no mercado.
É inegável que o consumidor, ao se deparar com o formato desse produto de nossa cliente o reconhecerá, identificando inclusive sua procedência. Como exposto, trata-se de forma altamente inovadora e totalmente diversa da usual então utilizada pelos concorrentes para o mesmo produto.
Vale destacar que o pedido de registro de marca tridimensional da forma desse produto de nossa cliente segue aguardando exame por parte do INPI.
Na França, no entanto, tal pedido acabou, em um primeiro exame de mérito, sendo indeferido pelo Escritório de Marcas local.
A decisão de recusa provisória, que causou grande surpresa a nós e à cliente, foi emitida em meados de março de 2014, fundamentada no entendimento do Examinador de que a marca seria desprovida de caráter distintivo por representar a própria figura do produto que se pretende proteger e, portanto, incapaz de desempenhar a função de designar sua origem.
Ao discutir o caso com colegas advogados na França, nos foi informado que esse tipo de decisão era comum no país, sendo baixas as chances de reversão. Segundo esses colegas, marcas tridimensionais são pouquíssimo utilizadas no país pelas empresas, o que faz com que o próprio instituto da marca tridimensional seja pouco explorado por doutrina e jurisprudência.
Diante disso, a partir desse momento, nosso escritório juntamente com advogado parceiro na França, não mediu esforços para buscar subsídios, de modo a convencer, em grau recursal, o examinador francês de que a forma do produto da cliente conta com suficiente distintividade e, assim, difere significativamente da forma geralmente utilizada para esse produto.
Desta forma, argumentou-se que o pedido de registro de marca tridimensional da cliente estaria em plena consonância com o disposto no artigo 711-1 da lei francesa de marcas, que estabelece que “uma marca de produto ou serviço poderá ser considerada um sinal capaz de representação gráfica, nos seguintes termos: (…)
c) Sinais figurativos, tais como: rótulos, selos, ourelas, relevos, hologramas, logotipos, imagens sintetizadas; formas, particularmente aquelas de um produto ou sua embalagem ou aquelas que identificam um serviço; arranjos, combinações ou tonalidades de cor”.
Ora, se a própria lei francesa admite o registro como marca da forma de um produto, não faria o menor sentido a recusa ou rejeição do pedido de marca tridimensional da cliente sob o fundamento de que a marca seria desprovida de caráter distintivo por representar a própria figura do produto. A decisão de recusa do registro emitida previamente pelo INPI da França, portanto, destoava da própria norma local.
Nada obstante, foi demonstrado, por meio de vasta documentação, o caráter absolutamente distintivo do produto da cliente em relação à concorrência.
Felizmente, após cerca de dois anos aguardando a apreciação do escritório de marcas francês, o recurso contra o indeferimento apresentado no país foi provido, sendo deferido o pedido de registro da marca tridimensional da cliente, formando uma jurisprudência administrativa bastante útil, segundo nos foi informado por nosso colega.
Para nós no Brasil, o caso é interesse e contribui para afastemos certa resistência que também sentimos para obter proteção para forma de produtos ou suas embalagens como marcas tridimensionais, já que possuímos legislação bastante similar à francesa.
É preciso que se retirem barreiras para a proteção de formas com suficiente distintividade como marcas tridimensionais no Brasil e em outros localidades, ainda que essas estejam associadas a um efeito técnico. Haveria aqui a abertura para uma dupla proteção, uma para a forma do produto como marca tridimensional e outra para o efeito técnico por meio de patente.